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na muralha em pé mais um cidadão

Juiz de Fora, 13 de agosto de 2023

☼16° – 25°


13 de agosto é dia do Pensamento, esse que pode tanto. E que pode paralisar também. É dia do economista, do canhoto, do psiquiatra e de Santa Irmã Dulce. Nele, em 1521 o terrível Hernán Cortés capturou Cuauhtémoc e conquistou a Tenochtitlán. Em 1868 um terremoto matou 25 mil pessoas no Peru e no Equador. Em 1956 Elvis Presley lançava “Don’t Be Cruel”. Em 1961 começou a construção do infame Muro de Berlim. Em 2014 Maryam Mirzakhani foi a primeira mulher a ganhar a Medalha Fields em matemática, desde 1936 ¯\_(ツ)_/¯. Em 1899 nasceu Hitchcock, em 1924 nasceu Helena Meirelles, em 1926 Fidel Castro, em 1951 chegou Beto Guedes. Em 1946 nos deixou H. G. Wells. O silêncio ficou incômodo em 1969 com a partida de Jacob do Bandolim, em 1975 se foi Murilo Mendes, em 1999 Inimá de Paula.

O pássaro é livre
na prisão do ar.
O espírito é livre
na prisão do corpo.
Mas livre, bem livre,
é mesmo estar morto.


Carlos Drummond de Andrade


Em 13 de agosto de 1941, Etty Hilesum, uma jovem judia holandesa escreveu em seu diário:

Naturalmente, não alcanço uma objetividade gélida, de sangue-frio, sendo como sou. Sou sensível demais para isso. Mas também já não fico tão abalada como antes por causa de toda essa sensibilidade. Daan22 caiu de um aeroplano e são muitos os jovens promissores e cheios de vida que estão morrendo a todo instante do dia e da noite. Não sei como lidar com isso. Com todo esse sofrimento ao redor, começo a sentir vergonha de me preocupar seriamente com minhas mudanças de humor. Mas é preciso continuar a levar a si mesmo a sério, é preciso continuar a ser o próprio centro e aprender a conviver com tudo o que acontece no mundo, não se podem fechar os olhos para nada, é preciso se confrontar com estes tempos terríveis e conseguir encontrar uma resposta a uma série de perguntas sobre a vida e a morte que estes tempos apresentam. Talvez eu encontre uma resposta para algumas dessas questões, não apenas para mim mesma, mas também para os outros. Afinal vivo neste momento. Tenho que encarar tudo de frente. Também não posso fugir de mim mesma. Às vezes me sinto como uma estaca num mar revolto, açoitada pelas ondas por todos os lados. Mas permaneço firme e vou desgastando aos poucos ao longo dos anos. Quero viver plenamente.

Etty Hilesum – Uma Vida Interrompida – Ed. Aiyné


Oráculo

A carta do Tarô O Enforcado é intrigante e misteriosa. Representando um homem suspenso por um pé, com as mãos amarradas nas costas, a imagem pode ser vista como perturbadora, mas também pode ser interpretada como uma representação simbólica de um estado de consciência elevado.

Um dos sentidos que esta carta traz é a estagnação e o sentimento de estar aprisionado. Vejamos bem, não é que estejamos somente aprisionados literalmente, mas nos sentimos presos, amarrados, pendurados momentaneamente. O sentimento é de estarmos mesmo suspensos sobre o abismo. É um sentimento que Nietzsche descreveu quando falou do decadente homem europeu de sua época, mas que cabe aqui como ilustração (que ele não se revire no túmulo).

O homem é uma corda, atada entre o animal e o super-homem — uma corda sobre um abismo.
Um perigoso para-lá, um perigoso a-caminho, um perigoso olhar-para-trás, um perigoso estremecer e se deter.
Grande, no homem, é ser ele uma ponte e não um objetivo: o que pode ser amado, no homem, é ser ele uma passagem e um declínio.

Nietzsche – Assim falou Zaratustra

Essa carta traz esse sentimento, de estar paralisado, sem saber se é possível ir para frente ou para trás. É aquele momento em que a gente estremece e para.

Quando se trata do sentimento de estar aprisionado, a carta do Enforcado pode ser vista como um reflexo da sensação de impotência e falta de controle sobre a própria vida. Muitas vezes, quando nos sentimos presos em situações difíceis ou desafiadoras, podemos nos sentir como se estivéssemos amarrados e incapazes de agir. A sensação de estar aprisionado pode ser extremamente estressante e prejudicial para a saúde mental e física. A carta do Enforcado pode ser vista como um lembrete de que, mesmo quando nos sentimos presos, ainda temos escolhas e opções disponíveis para nós. Mas, mais do que tudo, esta é uma carta da busca pela sabedoria. O momento Enforcado em nossas vidas é aquele que, em geral, precede um grande insight. É o momento imediatamente anterior à alguma revelação importante.

Segundo a taróloga Jessa Crispin, essa carta é inspirada na mitologia do deus Odin. Esse deus se perfurou com uma lança e se pendurou por nove dias na Árvore da Vida, ficando suspenso não apenas sobre um abismo, mas suspenso entre a vida e a morte. Foi neste momento que ele recebeu o segredo das runas, que são a tradução da realidade inteira. Odin recebeu, por causa deste momento em paralisia, o dom de interferir na realidade.

O enforcado é uma carta complexa e cheia de camadas. Existe a ideia de sacrifício, de transição, de um novo tipo de compreensão, segundo Jessa. É preciso deter-se, prestar atenção, ser paciente e deixar que a vida revele alguns segredos. Muitas vezes é por isso que nos sentimos aprisionados e paralisados, porque não sabemos nos deter a tempo para ouvir a vida. Embora pareça que estamos incapazes de agir, podemos sempre mudar nossa perspectiva e encontrar maneiras mais leves de lidar com esse momento, que por muito necessário, também é bastante incômodo. Onde estamos numa encruzilhada assim, em nossa vida? Esse assunto pode ficar evidente nesta semana.

A imagem do homem pendurado pode ser interpretada de várias maneiras, mas a mais comum é que ele está em um estado de espera forçada. Ele espera em alguma prisão que o tempo passe, que seja libertado, que algo aconteça. Ele não tem escolha senão esperar até que as circunstâncias mudem e ele possa se libertar. A mudança das circunstâncias não depende de nós, só podemos esperar. O que depende de nós é nos libertarmos dessa sensação de estagnação e aprisionamento e conseguirmos atravessar o abismo, que algumas vezes pode ser somente uma poça d’água no chão. Mas só saberemos disso depois da travessia.

O Enforcado também pode ser visto como um símbolo de sacrifício. Ele está disposto a suportar o desconforto e a dor de ficar pendurado para alcançar um objetivo maior. Em algumas representações do tarô, o Enforcado também é Sísifo, aquele que faz um trabalho inútil, que nunca tem fim. É aquele que não se liberta nunca, que para sempre vai arrastar uma pedra e algumas correntes. É desse aprisionamento que falamos e que precisamos saber se vamos nos livrar. Se podemos nos livrar. Se assim queremos. Algumas prisões são para sempre, não sejamos ingênuos. Para estas temos que varrer e arejar a cela e tratar de conseguir algumas flores para enfeitar o cinza.

A carta do Enforcado pode ser vista, como afinal todas as cartas, como uma oportunidade para crescer e evoluir. Embora possa ser difícil enfrentar situações de estagnação, esses momentos podem nos ajudar a desenvolver resiliência e força interior. Ao se concentrar em encontrar caminhos e opções disponíveis, podemos superar a sensação de estarmos aprisionados e perceber que a liberdade e margem de ação são muito maiores do que supúnhamos. Lembremos que o tempo passa e atravessa as avenidas. E o Sol nascente sempre chama os homens pro seu tempo de viver.

O ENFORCADO

A carta de tarô O Enforcado é uma das mais intrigantes do baralho. Representada por um homem suspenso de cabeça para baixo, ela pode causar estranheza e até mesmo medo em quem a observa pela primeira vez. No entanto, essa carta tem um significado muito mais profundo do que sua imagem sugere. Em primeiro lugar, é importante entender que a posição do homem na carta não é uma forma de punição ou sofrimento. Na verdade, ele está ali por escolha própria, como um ato de sacrifício em nome de algo maior, ou como consequência de suas ações. O Enforcado representa a capacidade de abrir mão de nossas vontades e desejos pessoais em prol de um propósito maior. Além disso, O Enforcado pode ser interpretado como um convite à reflexão e ao autoconhecimento. Ao suspender-se de cabeça para baixo, o homem da carta muda sua perspectiva de mundo e passa a enxergar as coisas de uma forma diferente. Esse simbolismo aponta para a necessidade de experimentarmos novas formas de pensar e agir.

Outro aspecto interessante dessa carta é que ele está ligado às emoções, à intuição e à sensibilidade. É uma carta que nos ensina a refletir sobre nossos sentimentos e a explorar nossa espiritualidade. É importante lembrar que O Enforcado não é uma carta negativa ou assustadora. Na verdade, ela pode ser interpretada como um sinal de que estamos no caminho certo, mesmo que isso signifique abrir mão de certas coisas. É uma carta que nos encoraja a confiar em nossos instintos e a seguir em frente com coragem e determinação. Mas também nos lembra que parar e olhar o que estamos fazendo, olhar por onde andamos pode ser uma boa ideia. O Enforcado pode ser um guia poderoso em seu caminho pessoal e espiritual.


Um texto sentenciado

O nosso presídio estava situado numa escarpa, encravado em meio a uma fortaleza. Mesmo forçando o olhar por entre as brechas da paliçada, pouco se oferecia à nossa visão: um trecho mínimo de céu, um barranco íngreme cheio de mato, dia e noite uma sentinela indo e vindo, sem parar. E eu pensava, desalentado, que anos e anos se passariam e, tal como agora, ficaria espiando pela fresta, não vendo nada mais que a mesma muralha, o mesmo barranco, a mesma sentinela e apenas um trechinho de céu; não o céu que cobre o presídio, mas sim aquele ao fundo, distante, livre. Imagine um vasto espaço de duzentos passos de comprimento e cento e cinquenta de largura, quase com a forma de um hexágono. Contorne-o com uma paliçada de troncos altos enterrados profundamente na terra, fortemente interligados, encimados com lanças pontiagudas, e terá então uma idéia da área do presídio. Num dos lados da paliçada, guardado por uma sentinela, há um portão permanentemente trancado, que se abre apenas para dar passagem aos detentos que seguem ao trabalho. Por detrás dessa saída, o claro mundo da liberdade. Do lado de cá o nosso mundo, em nada parecido com aquele, que por isso nos parecia uma ilustração de contos de fadas. O nosso era um mundo bem outro, regido por estatutos, disciplinas, horários específicos; uma casa para mortos vivos; uma vida à margem e homens de vivência muito diferente. É esse canto tão distinto da vida que me proponho descrever aqui.

Fiódor Dostoéivski – Recordações da Casa dos Mortos – Ed. Nova Alexandria


Arteterapia que liberta

Filme

O Anjo Exterminador – Luis Buñuel – 1962. Mais um filme daqueles que me fizeram. Esse deve ter sido o primeiro filme cabeça que vi, e teve um impacto imenso em mim. Fora toda parte artística a história contada ali me influenciou muito, me deixou muito impressionada. É uma história muito inusitada e cheia de camadas, com mil formas e temas de reflexão. E é um filme perfeito para essa temática do sentir-se aprisionado e a impotência que vem desse sentimento. Eu acho um filme quase perfeito, é dos meus filmes do coração e da vida. 


O filme “O Anjo Exterminador” de Luis Buñuel é uma crítica social e política que aborda temas como a decadência da aristocracia, a religião e a hipocrisia da sociedade. A trama se passa em uma mansão luxuosa, onde um grupo de aristocratas se reúne para um jantar. Após o evento, os convidados se veem presos na casa, sem conseguir sair, e não sabem o motivo disso. O que começa como uma situação estranha e desconfortável, logo se transforma em uma experiência surreal e angustiante. Buñuel utiliza o absurdo e o simbolismo para explorar as relações humanas e a dinâmica de poder entre as classes sociais. A mansão se torna uma metáfora para a sociedade, onde os personagens são forçados a conviver em um ambiente claustrofóbico e hostil.

O diretor mexicano utiliza diversos recursos cinematográficos para criar uma atmosfera opressiva e perturbadora. A trilha sonora minimalista e as cenas de silêncio absoluto aumentam a tensão e o desconforto do espectador. Além disso, Buñuel faz uso de imagens fortes e chocantes, como a cena em que os personagens matam e comem um cordeiro vivo. O elenco é outro ponto forte do filme, com atuações intensas e marcantes. Destaque para Silvia Pinal, que interpreta a personagem Leticia, uma das poucas que tenta resistir à loucura coletiva que toma conta da mansão. Em resumo, “O Anjo Exterminador” é um filme perturbador e instigante, que desafia o espectador a refletir sobre a natureza humana e a sociedade em que vivemos. Buñuel utiliza o surrealismo como ferramenta para denunciar a hipocrisia e a decadência da aristocracia, criando uma obra atemporal e impactante. Se você ainda não assistiu, prepare-se para uma experiência única e inesquecível.


Livro

O Conto da Aia – Margaret Atwood. Quando eu lembro da sensação sufocante de estar aprisionado, paralisado, impotente, sempre lembro da atmosfera deste livro. É um livro sensacional, que descreve um futuro aterrorizante, justamente por ser tão possível. Especialmente para nós mulheres, reconhecer a prisão das mulheres neste livro, reconhecer a impotência em que elas se encontram, reconhecer a imensa prisão que parece não ter escapatória, é muito fácil, o cenário deste livro parece nos aguardar a qualquer descuido. E um livro cheio de Damares e Michelles, todas tão horríveis na ficção quanto são na vida real. Para sentir a prisão do Enforcado, esse é um excelente livro.


O Conto da Aia é um livro escrito pela autora canadense Margaret Atwood, publicado originalmente em 1985. A obra se passa em um futuro distópico, onde os Estados Unidos se tornaram uma teocracia fundamentalista cristã, chamada de República de Gilead, que subjugou as mulheres e as transformou em propriedade do Estado. A história é narrada por Offred, uma aia que é designada para servir a um comandante e sua esposa. As aias são mulheres férteis que são forçadas a ter relações sexuais com seus comandantes para gerar filhos para eles. Offred tenta sobreviver em um mundo onde ela não tem liberdade ou controle sobre sua própria vida. O livro é uma crítica social ao patriarcado e à opressão das mulheres. Atwood cria uma sociedade onde as mulheres são reduzidas a seus úteros e são privadas de seus direitos básicos. A obra também aborda temas como religião, política, controle de natalidade e liberdade individual. A escrita de Atwood é precisa e envolvente, e ela consegue criar um mundo distópico que parece plausível e assustadoramente realista. O Conto da Aia é uma leitura perturbadora e emocionante que faz o leitor refletir sobre o papel das mulheres na sociedade e sobre a importância da luta pelos direitos iguais. Atwood nos lembra que a opressão das mulheres não é uma coisa do passado e que ainda há muito trabalho a ser feito para alcançar a igualdade plena. É uma obra poderosa que certamente deixará uma marca duradoura em quem a ler.


Documentário

A 13ª emenda – 2016 Ava Duvernay. Indico pelo primeiro e mais importante motivo que é: todo mundo deveria assistir e refletir sobre este documentário. Talvez ele não tenha muito a ver com a carta da semana, não numa primeira olhada, não diretamente. Ele está falando sobre a relação do encarceramento em massa de negros, que ocorre nos EUA, mas sabemos que ocorre aqui também com a escravidão, com o projeto de extermínio dos negros. E é tão claro e matemático que somente tantos séculos de ideologia não nos permitem ver a clareza do proejto. É preciso que existam documentários assim pra que a gente perceba. Além disso é um excelente documentário. Recomendo, para esse momento em que estamos pensando em aprisionamentos. 


O documentário “A 13ª Emenda”, dirigido por Ava DuVernay em 2016, é uma obra cinematográfica que aborda a relação entre a escravidão e o sistema prisional nos Estados Unidos. O título do filme faz referência à décima terceira emenda da Constituição dos Estados Unidos, que aboliu a escravidão no país, mas permitiu que a prática continuasse em casos de punição criminal. O filme apresenta uma análise profunda sobre como a criminalização da população negra foi utilizada como uma forma de manter a escravidão nos Estados Unidos, mesmo após a abolição oficial. Através de entrevistas com especialistas, ativistas e ex-presidiários, o documentário mostra como a população negra é desproporcionalmente afetada pelo sistema prisional americano. O filme também aborda a questão do encarceramento em massa, mostrando como o sistema prisional se tornou uma indústria lucrativa nos Estados Unidos. Através de dados e estatísticas alarmantes, o documentário mostra como o sistema prisional americano é utilizado como uma forma de manter a população negra em situação de opressão e marginalização. Além disso, “A 13ª Emenda” também destaca a importância do ativismo e da mobilização social na luta contra o racismo e a opressão. O filme mostra exemplos de movimentos sociais que lutam contra o sistema prisional americano e defendem os direitos dos presidiários. “A 13ª Emenda” é uma obra cinematográfica extremamente importante e relevante para entender a relação entre escravidão e sistema prisional.


Neste 2023, dia 13 de agosto é Dia dos Pais. Eu tenho a imensa sorte de conviver com dois pais fantásticos, o meu pai e o pai dos meus filhos. Que sorte eu tenho, que sorte meus filhos têm. Akio, te amo, um beijo, te admiro demais como pai. Pai, te amo, você é uma inspiração não só para nós, seus filhos, como para qualquer ser humano que conviva com você. 

“É preciso imaginar Sísifo feliz.”

Albert Camus

Post com a colaboração de @laismeralda.  A melhor cartomante do pedaço, marque sua hora com ela.


13 de agosto é o 225.º dia do ano no calendário gregoriano (226.º em anos bissextos). Faltam 140 dias para acabar o ano.


Se você leu até aqui, obrigada! Esse é o meu almanaque particular. Um pedaço do meu diário, da minha arca da velha, um registro de pequenas efemérides, de coisas que quero guardar, do tempo, do vento, do céu e do cheiro da chuva. Os Vestígios do Dia, meus dias. Aqui só tem referências, pois é disso que sou feita.

© Nalua – Caderninho pessoal, bauzinho de trapos coloridos, nos morros de Minas Gerais. Já no inverno, nem tão frio mais, que pena.

Esta é a 23ª de 78 páginas que terá este almanaque.