“Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas. Porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve.” – Evangelho de São Mateus 11:28-30


me leve à toa pela última vez


Belo Horizonte, 23 de julho de 2023

☼ 14° – 25°, Sol em Leão

Um dia antes do aniversário da Greice, a leonina mais linda que conheço. 23 de julho de 1840 foi o dia do Golpe da maioridade, em que Dom Pedro II ascende ao trono com 14 anos. É muito golpe nessa terra. Em 1942 foi aberto o campo de extermínio Treblinka.  Em 1961 a Frente Sandinista de Libertação Nacional é fundada na Nicarágua. Em 1993, oito crianças e adolescentes são assassinados covardemente no centro do Rio de Janeiro, na Chacina da Candelária. Em 1928 nasce Vera Rubin, em 1942 Eduardo Araújo, em 1949 Flavio Venturini e Philip Seymour Hoffman que cedo demais não resistiu ao peso do ser. Em 1989 nascia Daniel Radcliffe. Em 1932, aquele que tornou o mundo mais leve também sucumbiu ao peso de tudo. Sim, Santos Dumont, o verdadeiro inventor do avião (xô papagaiada de Irmãos Wright), escolheu a leveza eterna num 23 de julho. Em 2011 nos deixa Amy Winehouse, Dominguinhos e Djalma Santos. E em 2014 graça e leveza caem pela metade quando se vai Ariano Suassuna e seu sorriso inesquecível.



No fim tu hás de ver que
as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento…

Mario Quintana


Em 23 de julho de 1939, num dos momentos mais pesados da História, Mohandas Gandhi escreveu a seguinte carta para Adolf Hitler:

Herr Hitler

Berlim, Alemanha.

Wardha, C. P., Índia.

23/07/39.

Caro amigo,

Os amigos insistiram para que eu lhe escrevesse pelo bem da humanidade. Mas relutei em fazê-lo, por achar que seria uma insolência de minha parte. Alguma coisa me diz que devo deixar a relutância de lado e formular meu apelo, seja qual for o resultado.

É evidente que, no momento, o senhor é a única pessoa do mundo capaz de impedir uma guerra que pode reduzir a humanidade ao estado de barbárie. O senhor pagaria esse preço, por mais valioso que lhe pareça o objetivo que tem em mente? Ouvirá o apelo de alguém que, deliberadamente, tem repudiado a guerra com considerável sucesso? De qualquer modo, conto com seu perdão, se errei ao escrever-lhe.

Seu amigo sincero,

M. K. Gandhi


Peso e Leveza Dourados

Dois de Ouros

 “A contradição pesado-leve é a mais misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições”
Milan Kundera

Existem períodos na vida em que o peso de existir parece cobrir os dias. São momentos em que nem percebemos que estamos passando pelas horas como autômatos, divididos entre 200 imperativos diferentes a que precisamos atender. Parecemos estar na vida como Sísifo, empurrando uma enorme e pesada pedra morro acima, afastados do caminho da delicadeza. Podemos nem perceber o tamanho peso que está alojado em nossas espáduas. E continuamos, muitas vezes às custas de saúde, bem estar, qualidade de vida.

É sobre isso que a carta da semana vem conversar. O dois de ouros é um equilibrista, um malabarista da vida. É aquele que se desdobra em equilibrar, jogar as moedas e ainda sorrir, mostrando beleza. O dois de ouros é uma incrível crônica que mostra o que é preciso para que nos aliviemos do fardo que algumas vezes nos acua sem que possamos evitar. Essa carta é mais que isso, sua simbologia toca em mais temas, mas hoje nos interessa um tópico específico. Nesta semana a carta dois de ouro nos traz o tema da leveza. Leveza e peso. O dois de ouros precisa que encontremos leveza na existência. Que busquemos, em meio ao caos cotidiano, espaços de leveza e fluidez.

Embora à primeira vista possa parecer um tema simples , a leveza tem implicações em nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. De uma perspectiva reflexiva, a leveza da à ideia de desapego, liberdade, fluidez. Quando conseguimos nos desvincular momentaneamente das amarras materiais e emocionais que nos prendem, em tese, pelo menos, estamos preparados para alcançar um estado de ser mais livre e autêntico. A leveza permite deslizar com mais facilidade diante dos desafios da vida, e isso é extremamente valorizado atualmente. Há uma exigência social que valoriza sobremaneira a leveza, mas que a confunde com futilidade, com frivolidade. É claro que há espaço para a futilidade em nosso cotidiano, e algumas vezes é preciso invocar o frívolo, dado o imenso peso que a vida às vezes tem. Mas fazer da futilidade a regra não nos trouxe para um bom lugar, nem individualmente nem como sociedade. Precisamos saber o limite, e o dois de ouro nos ensina. Vamos encontrar leveza, nem que seja indo ao cinema vestidos de cor-de-rosa. Mas sabendo que não existem óculos que tornem a realidade de outra cor.

A mensagem é simples, encontrar em nossa semana aquilo que é leve, que nos tira momentaneamente o peso de existir, que nos afasta da menina Morte, que ajuda a levar a vida, mas que ao mesmo tempo não é o inútil, não é irrelevante. A futilidade está em outros espaços, falaremos dela em outra volta do parafuso.

A leveza também pode ter papel no desenvolvimento pessoal e espiritual. Ao deixar por instantes o peso desnecessário que carregamos, podemos conseguir nos conectar com alguma essência mais profunda e descobrir pistas importantes sobre quem somos realmente. Através da leveza, encontramos um caminho para uma vida mais plena e significativa. A leveza também nos convida a questionar convenções e enxergar além das limitações impostas externamente. Com menos peso nas costas pode ser que consigamos explorar novas possibilidades de existir, simplesmente descobrindo espaços onde é possível fluir. Só você pode descobrir onde colocar leveza na sua vida.

Mas lembremos que a busca pela leveza não significa ignorar ou negar as dificuldades da vida. A leveza não é fuga da realidade, é uma forma de lidar com a realidade de maneira mais fluida e divertida. É sobre encontrar um meio-termo entre a seriedade e a despreocupação, entre a responsabilidade e a liberdade. Já deu pra entender há muito tempo, né? 😆

Então que a semana seja leve e suave, sem nada que entrave nossa vida breve.

Boa semana.


A carta de tarô dois de ouros é representada por um jovem malabarista que equilibra duas moedas em suas mãos, simbolizando a habilidade de lidar com diferentes aspectos da vida. Essa carta é, portanto, um convite para lidar com as mudanças e desafios que a vida apresenta. Ela mostra que é possível equilibrar diferentes áreas da vida, como trabalho e vida pessoal, dinheiro e relacionamentos, entre outras. O dois de ouros também pode ser interpretado como uma carta de movimento e mudança. Ela indica que o consultante está em um momento de transição e que precisa se adaptar às novas situações que surgem. É importante lembrar que a mudança pode ser desconfortável, mas também pode trazer novas oportunidades e crescimento pessoal. Em uma leitura de tarô, o dois de ouros pode indicar que o precisa encontrar um equilíbrio para evitar o estresse e a sobrecarga. Ele pode estar se sentindo dividido entre diferentes áreas da vida e precisa encontrar uma maneira de integrá-las.  Pode indicar também que o consultante está prestes a embarcar em uma nova aventura ou empreendimento. É importante lembrar que essa jornada pode ser desafiadora, mas também pode trazer grandes recompensas.

Em termos de amor e relacionamentos, o dois de ouros indica que o consultante precisa encontrar um equilíbrio entre suas necessidades pessoais e as do parceiro. Ele pode estar passando por um momento de indecisão em relação ao relacionamento e precisa encontrar uma maneira de conciliar seus sentimentos. No âmbito financeiro, o dois de ouros pode indicar que a necessidade de gerenciar melhor as finanças e encontrar um equilíbrio entre gastar e economizar.


Um texto que pesa a leveza

NUNCA VIVEMOS EM UM MUNDO MATERIAL TÃO LEVE, FLUIDO e móvel. Nunca a leveza criou tantas expectativas, desejos e obsessões. Nunca ela incentivou tanto o comprar e o vender. Nunca o que Nietzsche escreveu soou tão justo aos nossos ouvidos: “É bom o que é leve, tudo o que é divino se move com pés delicados.” O leve preenche cada vez mais nosso mundo material e cultural; invadiu nossas práticas comuns e remodelou nosso imaginário. Antes admirado apenas no campo da arte, tornou-se um valor, um ideal, um imperativo nas mais variadas esferas: objetos, corpo, esporte, alimentação, arquitetura, design. Em toda parte se afirma, no coração da era hipermoderna, o culto polimorfo da leveza. Seu campo era circunscrito e periférico, não vemos mais seus limites, pois ele se imiscui em todos os aspectos de nossa vida social e individual, nas “coisas” e nos seres, nos sonhos e nos corpos.
Durante muito tempo, na esfera tecnoeconômica, a prioridade foi dada aos equipamentos pesados. Agora é dada ao ultraleve, à miniaturização, à desmaterialização. O pesado evocava respeito, seriedade e riqueza; o leve, a quinquilharia, a ausência de valor. Este universo não é mais o nosso. Vivemos uma imensa revolução do mundo material, na qual as tecnologias e os mercados remetem muito mais às lógicas do leve do que às do pesado. E esta dinâmica se complementa de uma revolução simbólica, na medida em que o leve, por tanto tempo inferiorizado e desprezado, foi adquirindo um valor positivo. A leveza não está mais associada à falta, mas à mobilidade, ao virtual, ao respeito ao meio ambiente. Este é o tempo da revanche do leve – um leve admirado, desejado, que captura sonhos, mensageiro de enormes promessas e também de terríveis ameaças.

Gilles Lipovetsky – Da leveza: Rumo a uma civilização sem peso – Amarilys Editora


O peso da arte que torna os dias leves

Livro

A Insustentável Leveza do Ser – Milan Kundera. Indico porque é o ícone quando pensamos em leveza. Indico porque é um livro da minha vida, da minha história, uma das melhores coisas que li em todo tempo de leitora. Um livro que me acompanhou, me fez, efetivamente eu sou quem eu sou porque li esse livro. 


A Insustentável Leveza do Ser é um romance escrito pelo autor tcheco Milan Kundera, publicado em 1984. A obra é uma reflexão profunda sobre a vida, o amor, a morte e a existência humana. O livro conta a história de quatro personagens principais: Tomas, Tereza, Sabina e Franz.  Ao longo da narrativa, Kundera explora as complexidades desses personagens e suas escolhas de vida, mostrando como cada um deles enfrenta os desafios da existência humana de maneira diferente. A obra é sobre a natureza da liberdade e da responsabilidade individual, e sobre como cada escolha que fazemos pode ter consequências imprevisíveis em nossas vidas. Um dos aspectos mais interessantes do livro é a maneira como Kundera utiliza a filosofia para explorar os temas centrais da obra. O autor recorre a pensadores como Nietzsche, Schopenhauer e Parmênides para ilustrar suas ideias sobre a natureza da existência humana e as escolhas que fazemos ao longo da vida. Outro aspecto que torna A Insustentável Leveza do Ser uma obra tão marcante é a maneira como Kundera explora as relações humanas. O autor retrata com maestria os conflitos e as tensões que surgem entre os personagens, mostrando como cada um deles busca o seu lugar no mundo e como suas escolhas afetam os outros ao seu redor. O resultado é um retrato vívido e realista das complexidades das relações humanas. Por fim, vale destacar a beleza da escrita de Kundera. Kundera tem uma prosa elegante e poética, que flui e prende a atenção.


Filme

Paterson – Jim Jarmusch – 2017. Esse filme é lindo, delicado, delicioso. Eu penso em leveza e lembro dele. Penso em poesia e penso nele também. É um filme tão bonito, tão doce, mas tão profundo. Serve perfeitamente para pensarmos em leveza. A capacidade do personagem principal de lidar com a leveza é invejável. E indico também porque tudo o que vi do Jim Jarmusch eu gostei muito. Tem na Amazon Prime e em meios alternativos.


O filme Paterson, dirigido por Jim Jarmusch, é uma obra que retrata a vida cotidiana de um motorista de ônibus e poeta amador chamado Paterson, que vive na cidade de Paterson, em Nova Jersey. A história se desenrola ao longo de uma semana, durante a qual acompanhamos a rotina do personagem principal e de sua esposa. O filme é uma ode à simplicidade e à rotina, mostrando como pequenos detalhes do dia a dia podem ser fonte de inspiração para a arte. Paterson é um homem tranquilo e introspectivo, que encontra na poesia uma forma de se expressar e de lidar com as frustrações da vida. Sua esposa, por outro lado, é uma pessoa mais agitada e sonhadora, que está sempre em busca de novas atividades e projetos. A narrativa é construída de forma leve e poética, com planos longos e silenciosos que permitem ao espectador mergulhar na atmosfera da cidade e dos personagens. Adam Driver interpreta Paterson com sensibilidade e delicadeza, transmitindo a melancolia e a serenidade do personagem. Golshifteh Farahani, por sua vez, dá vida a Laura com energia e entusiasmo, criando um contraponto interessante ao marido. Paterson é um filme para ser apreciado com calma e sem pressa, como uma poesia que precisa ser saboreada palavra por palavra. É uma obra que nos convida a valorizar as pequenas coisas da vida e a encontrar beleza na simplicidade. Jim Jarmusch mais uma vez nos presenteia com um trabalho autoral e original, que certamente ficará na memória dos espectadores por muito tempo.


Filme média metragem

O Balão Vermelho – Albert Lamorisse -1956 – Indico porque é um filme que trata da leveza do começo ao fim. Da leveza e do peso também. Também porque é um filme lindo, bem diferente, que envelhceu muito bem. Tem completo no YouTube, legendado, muito tranquilo de ver. Ganhou Palma de Ouro de curta-metragem em Cannes e Oscar de Melhor Roteiro Original, e até hoje é o único média metragem que ganhou oscar nesta categoria.


A leveza no filme “O Balão Vermelho”, de Albert Lamorisse, é um dos aspectos mais marcantes dessa obra cinematográfica francesa, lançada em 1956. Através de uma narrativa simples e poética, o diretor consegue transmitir uma sensação de liberdade e de sonho, que conquistou o público de todas as idades ao longo das décadas. A história do filme é centrada em um menino que encontra um balão vermelho na rua e decide levá-lo consigo para todos os lugares. O balão se torna um companheiro fiel do garoto, seguindo-o por ruas, escadarias e becos da cidade de Paris. Através das imagens em preto e branco, o diretor consegue criar uma atmosfera mágica e lúdica, que transporta o espectador para um mundo de fantasia. A leveza do filme é percebida tanto na narrativa quanto na fotografia. Os planos abertos, que mostram o balão flutuando sobre a cidade, dão a sensação de que o objeto está livre de todas as amarras terrenas. A música suave e delicada, também contribui para essa sensação de liberdade e de sonho. O filme é uma ode à infância e à imaginação. O balão vermelho representa a pureza e a inocência da criança, que ainda não foi corrompida pelas amarguras da vida adulta. O garoto, por sua vez, simboliza a busca pela felicidade e pela aventura, que são tão características da juventude.


Série

Ted Lasso – 2020 – Bill Lawrence – 1ª Temporada. Essa série conta uma história de um cara que procura a leveza. O personagem principal é um ótimo exemplo de quem busca leveza para a própria vida. Uma leveza que não se confunde com superficialidade nem com futilidade. É uma série muito divertida, emocionante, prende a atenção. Assistir à primeira temporada é ter um momento bem divertido de leveza. 


Ted Lasso é o personagem principal da série de comédia homônima da Apple TV+, interpretado por Jason Sudeikis. A primeira temporada da série, lançada em 2020, apresentou um personagem com uma leveza singular que conquistou o público. Ted Lasso é um treinador de futebol americano que é contratado para treinar um time de futebol na Inglaterra, apesar de não ter nenhuma experiência no esporte. A princípio, a ideia parece absurda, mas é exatamente essa falta de conhecimento que faz com que Ted aborde o esporte de uma maneira diferente.

A leveza de Ted Lasso se manifesta em diversos aspectos da série. Em primeiro lugar, ele é um personagem extremamente positivo e otimista. Mesmo diante de situações adversas, ele sempre procura ver o lado bom das coisas e motivar sua equipe a fazer o mesmo. Seus discursos inspiradores e sua capacidade de encontrar o humor em situações difíceis são uma das marcas registradas da série. Além disso, Ted Lasso é um personagem extremamente empático e preocupado com o bem-estar de seus jogadores. Ele não se preocupa apenas com o desempenho da equipe dentro de campo, mas também com a vida pessoal de cada um dos jogadores. Ele se preocupa em entender suas motivações e medos, e usa essa compreensão para ajudá-los a se tornarem jogadores melhores e pessoas melhores. Outro aspecto da leveza de Ted Lasso é sua abordagem do esporte em si. Ele não se importa tanto com a vitória ou a derrota, mas sim com o processo de jogar e se divertir. Ele incentiva seus jogadores a jogarem com paixão e a se divertirem em campo, independentemente do resultado final. Essa abordagem leva a momentos de grande descontração e diversão na série.


23 de julho é o 204.º dia do ano no calendário gregoriano (205.º em anos bissextos). Faltam 161 dias para acabar o ano.

fim de festa.
no afrouxar de gravatas
voam borboletas

Paulo Sérgio Vieira

Post com a colaboração de @laismeralda.  A melhor cartomante do pedaço, marque sua hora com ela.


Se você leu até aqui, obrigada! Esse é o meu almanaque particular. Um pedaço do meu diário, da minha arca da velha, um registro de pequenas efemérides, de coisas que quero guardar, do tempo, do vento, do céu e do cheiro da chuva. Os Vestígios do Dia, meus dias. Aqui só tem referências, pois é disso que sou feita.

© Nalua – Caderninho pessoal, bauzinho de trapos coloridos, nos morros de Minas Gerais. Já no inverno, friozinho, graças aos céus.

Esta é a 20ª de 78 páginas que terá este almanaque.