Mês: setembro 2023

os olhos seus precisam ter coragem

Belo Horizonte, 3 de setembro de 2023

17°  29°


3 de setembro é aniversário da Sylvia. E também do Eduardo Galeano, que já se mandou para as estrelas. Faltam 2 dias para o aniversário da minha irmã Krighia.



Agora me torno eu mesma. Levou
tempo, muitos anos e lugares;
Eu me dissolvi, estremeci,
Usei o rosto de outras pessoas,
Corri loucamente, como se o Tempo estivesse lá,
Muitíssimo velho, gritando um aviso,
“Depressa, você estará morta antes -“
(Antes de quê? Antes de raiar a manhã?
Antes do fim do poema ficar claro?
Ou antes de amar a salvo numa cidade murada?)
Agora para ficar tranquila, para estar aqui,
Sinto meu próprio peso e densidade!
A sombra negra sobre o papel
É a minha mão; a sombra de uma palavra
Como o pensamento dá forma ao que lhe forma
Cai pesada na página, é ouvida.
Tudo se funde agora, e encontra seu lugar
Do desejo à ação, da palavra ao silêncio,
Meu trabalho, meu amor, meu tempo, meu rosto
Reunidos em um intenso
Gesto de crescer como uma planta.
Tão lentamente quanto a fruta amadurecendo
Fértil, desapegada, e sempre gasta,
Cai, mas não destrói a raiz,
Então todo o poema é, e pode
crescer em mim para se tornar a canção,
Feito assim e enraizado pelo amor.
Agora há tempo e o tempo é jovem.
Ó, nesta única hora eu vivo
Toda inteira, e não me mexo.
Eu, a atormentada, que loucamente corria,
Fico quieta, quieta e detenho o sol!
♣️

May Sarton

Na véspera de 3 de setembro de 1977 a belíssima e talentosa Alice Walker escreveu em seu diário:

Não me vem à cabeça ou ao coração dizer isso tanto ou com o mesmo fervor que senti um dia – e ainda assim, sinto amor por Bob. Talvez eu não esteja mais apaixonada. E isso é uma bênção.
Esperei ontem à noite depois que ele saiu por algum problema fisiológico. Tive uma ligeira tensão momentânea nos ombros, mas uma aspirina fez aliviar. Exceto por esse resfriado & minha menstruação, me sinto bem.
E me avalio assim:
Uma mulher no Auge da Vida – 33 anos
com 6 livros, todos publicados,com saúde e uma filha crescendo saudável, inteligente & bonita, $9.000 em economias e mais $11.000 por vir – com dois excelentes “empregos” de meio período que pagam bem.
Com tempo para escrever, viajar, pensar.
Com amigos que amo & que me amam – Bob, Sheila, Mel, June, Judy, Gloria, Joanne, John & Susan, Vincent…
Meu próprio apartamento, onde posso fazer qualquer coisa.
É possível, eu sou um ser humano novamente!
Preciso inventar uma oração para o espírito benigno do universo.
Preciso agradecer, “falar com Deus” – estar em contato com a força que torna nossas vidas únicas através do sofrimento e da graça eventual.

Alice Walker – Colhendo flores sob incêndios –  Os Diários de Alice Walker – Ed. Rosa dos Tempos

Onde chega o seu brilho

Chegamos ao arcano XVII. Enfim um 17 iluminado. Chegamos às estrelas. Nos acompanha essa semana a carta preferida de 9 entre 10 tarólogos, uma carta que nos abre sorrisos e entrega beleza, harmonia e um tempo feliz. A Estrela. Ela assinala que estivemos em um caminho atribulado e chegamos a um local iluminado, confortável e seguro.

Esse é o arcano da luz pessoal e da conclusão de um processo longo e dolorido. A Estrela é a luz do Tarô. É beleza e realização chegando. É a própria Esperança. A Estrela conecta o céu e a terra, por isso é o Arcano da Espiritualidade. Ela permite que a gente se cure, que a terra renasça, que fé reapareça. Não é à toa que ela é a queridinha entre os Arcanos.

O conto que a Estrela traz esta semana é o da luz interior, é o da transformação. A estrela nos chama a pensar em nossos Caminhos de Inanna, em nossas vias-crúcis. Nossas descidas ao inferno, mas aquelas das quais voltamos mais inteiros, mais plenos e em que a vida mudou. São aqueles momentos em que estávamos desolados, presos em algo (O Enforcado), sem direção e a estrela nos orientou. A Estrela é a Grande Orientação, é sempre a Estrela Guia. Ela é quem nos direciona, como aos reis magos, em direção ao Salvador. Em geral ela nos fala de um caminho difícil que dá certo, que tem final feliz, que chega em um bom lugar. A Estrela pressupõe que aconteçam dificuldades na travessia, pois, como me lembrou a Laís, as estrelas só brilham no escuro. A Estrela está nua, vulnerável. É preciso não ter medo da nudez e do que ela expõe no caminho, é pela vulnerabilidade que a luz entra totalmente. Inana chega nua ao inferno. Mas quando por fim a Estrela aparece, já estamos todos bem.

A Estrela também é a carta que nos lembra de deixar ir. Chegamos em um novo lugar, o caminho acabou, as velhas pedras que fiquem no caminho passado.

O tarólogo Leo Chioda diz sobre a Estrela:

O destino que você persegue é cada passo dado. A vida é cada dia um dia a menos, repare. Vive-se como se fosse para sempre. A vida tolera esses caprichos. Mesmo assim devemos despejá-los para não transbordarem.

Todos os nossos passos na vida são para encontrar a Estrela. Então aproveitemos o céu limpo, que alegria esse momento! Rejubilemo-nos 🙂

Esta semana vamos celebrar a vitória que vem, porque virá. E vamos lembrar, porque lembrar é estar vivo, das nossas jornadas que encontraram a Estrela no final. Todos temos vias-crúcis para contar. A vida não tem sentido, nossos sofrimentos também não, não tem sentido nem existir, quanto mais sofrer. Mas o belo é que podemos atribuir qualquer sentido a posteriori, e contar uma história sobre o que vivemos. Penso naquela frase, (certamente a usarei em outros momentos), que diz: “toda dor pode ser suportada se sobre ela existir uma narrativa”.

O tarô é isso, o livro que nos fornece um referencial de séculos para que a gente conte a nossa vida. Para que a gente dê outro significado para o que nunca poderia ter. E para que assim possamos seguir para tropeçar em outras pedras, até encontrar a Estrela em definitivo e deitar em seu regaço. Mas enquanto isso, nós, que somos as pessoas que narram, vamos dançar valsa com a Estrela. Durante a época da Estrela podemos desejar, podemos abrir caminho e levar nosso coração desperto a sonhar com terras livres. Somos gente pra brilhar.

Se orientem, estrelinhas. Boa semana.

A Estrela

A carta de Tarô da Estrela é uma das mais conhecidas e admiradas dentro do universo do Tarô. A carta tradicional é representada por uma mulher nua, segurando duas jarras de água, derramando uma delas no rio e a outra no solo. Acima dela, uma estrela brilha intensamente no céu. A carta traz consigo uma mensagem de esperança e renovação, e é considerada uma das mais positivas do baralho. Ela simboliza a fé, a inspiração, a criatividade e a confiança no futuro. Esse arcano nos lembra que, mesmo em momentos difíceis, devemos manter a esperança e a determinação para seguir em frente. A carta também representa um momento de cura e renovação, e nossa capacidade de deixar para trás coisas que não nos servem mais e começar um novo ciclo em nossas vidas.

Em uma jornada pessoal, a carta da Estrela pode ser um sinal de que estamos no caminho certo e que devemos continuar seguindo em frente. A carta nos lembra que, assim como a estrela brilha no céu, nós também temos uma luz interior que deve ser cultivada e mantida acesa. A Estrela também pode ser uma carta de cura emocional, indicando que é hora de deixar para trás as mágoas e os ressentimentos do passado e seguir em frente com um coração aberto. Ela nos encoraja a perdoar a nós mesmos e aos outros, e a encontrar a paz interior que tanto buscamos.


Um texto, pois quem dera as luzes da Via Láctea*

Eu nasci e cresci debaixo das estrelas do Cruzeiro do Sul. Aonde quer que eu vá, elas me perseguem. Debaixo do Cruzeiro do Sul, cruz de fulgores, vou vivendo as estações de meu destino.
Não tenho nenhum deus. Se tivesse, pediria a ele que não me deixe chegar a morte: ainda não. Falta muito o que andar. Existem luas para as quais ainda não lati e sois nos quais ainda não me incendiei. Ainda não mergulhei em todos os mares deste mundo, que dizem que são sete, nem em todos os rios do Paraíso, que dizem que são quatro.
Em Montevidéu, existe um menino que explica: — Eu não quero morrer nunca, porque quero brincar sempre.

Eduardo Galeano – Livro dos Abraços, editora LPM, 1991.


Talismãs de luz no céu*

Livro

Um Defeito de Cor – Ana Maria Gonçalves Ed Record. Indico porque não é possível ser brasileiro e não ter lido ainda esse livro 🙂 . Se eu pudesse entregaria um exemplar para cada brasileiro. É um livro lindo, indispensável, uma joia da literatura nacional. A jornada de Kehinde, a personagem principal, é puro Caminho da Estrela. Mas além disso, este livro é nossa história, na parte menos contada, é nosso povo, nosso sangue que está ali, narrado de maneira sensacional. O tamanho dele assusta, mas a leitura é tão fluida e gostosa, que no fim você vai querer que não tivesse acabado.


Um Defeito de Cor é um livro da escritora brasileira Ana Maria Gonçalves que narra a história de Kehinde, uma africana escravizada que é trazida para o Brasil no século XIX. O romance é uma obra de ficção histórica que retrata a vida dos escravos na época, bem como as dificuldades enfrentadas pelos negros libertos que tentavam sobreviver em uma sociedade racista e desigual.

O livro é uma obra-prima da literatura brasileira, que nos leva a uma jornada através da vida de Kehinde. A personagem principal é uma mulher forte e corajosa, que enfrenta inúmeras adversidades ao longo de sua vida. Ela é vendida como escrava quando ainda era criança e é forçada a trabalhar como escravizada. Ela sofre abusos e violência de senhores e capatazes. Apesar das dificuldades, Kehinde nunca perde sua determinação e sua vontade de viver. Ela encontra forças para resistir aos abusos e para lutar pela sua liberdade. Quando finalmente consegue fugir da fazenda, ela se junta a um grupo de negros libertos que vivem em uma comunidade quilombola. Lá, ela encontra amor e solidariedade entre as pessoas que compartilham sua luta pela liberdade. O livro também é uma celebração da cultura africana e da resistência negra. A obra é uma leitura obrigatória para todos aqueles que desejam compreender melhor as nossas raízes culturais e a nossa identidade como povo.


Filmes

Duas trajetórias estelares deliciosas

Uma Mulher Fantástica – Sebastián Lelio – 2017. A trajetória da personagem principal é um caminho da Estrela. Pensei nele porque é um filme lindo, delicado, bem feito e que nos coloca a par das dificuldades inacreditáveis que as mulheres trans ainda passam em pleno século 21. É um filme quase todo triste, mas é impactante ver a força que a personagem mostra, sua resistência e coragem. 


O filme “Uma Mulher Fantástica”, dirigido por Sebastián Lelio, é uma obra centrada em Marina, uma mulher transexual que enfrenta diversos obstáculos após a morte de seu namorado, Orlando. A trama começa quando Marina e Orlando são vistos juntos em um hotel. Após uma noite de amor, Orlando sofre um aneurisma e morre. A partir daí, a vida de Marina se torna um verdadeiro inferno. Ela é hostilizada pela família do namorado, que não aceita sua identidade de gênero, e é tratada com desdém pela polícia e pelos médicos que cuidam do corpo de Orlando. Além disso, Marina é obrigada a enfrentar uma série de preconceitos e discriminações por parte da sociedade em geral. Ela é tratada muitas vezes como uma aberração, uma pessoa estranha e perigosa, e é alvo de violência física e verbal por parte de desconhecidos. Mas ela segue em frente e mostra porque é uma mulher fantástica.  O filme venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018. A vitória foi histórica, já que foi a primeira vez que um filme chileno recebeu essa honraria. O filme também foi indicado a diversos outros prêmios, como o Globo de Ouro e o BAFTA. A atuação de Daniela Vega também foi muito elogiada pela crítica especializada. A atriz recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema de Havana em 2017 e também foi indicada ao Independent Spirit Awards na categoria de Melhor Atriz.


Pequena Miss Sunshine 2006  – Valerie Faris e Jonathan Dayton. Uma pequena estrela. Um filme que eu amo tanto que nem sei falar sobre ele. É sobre tanta coisa, é dessas obras que tem o mundo todo dentro. A trajetória da pequetita, que tão estrela. É muito chama no pavio da lamparina, é um filme que toca, que dói e ensina demais. Quem não viu nem me conte, pois eu tenho inveja de quem ainda vai ver. 


Pequena Miss Sunshine é um filme de comédia dramática que conta a história de uma família disfuncional que se une para levar a filha mais nova a um concurso de beleza infantil. Lançado em 2006, o filme foi dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris e recebeu inúmeras indicações e prêmios, incluindo o Oscar de Melhor Roteiro Original.  O enredo do filme gira em torno da família Hoover, que vive em Albuquerque, Novo México. A família viaja em uma Kombi amarela para levar a filha mais nova, Olive, a um concurso de beleza infantil. No caminho, eles enfrentam vários problemas e conflitos, como o suicídio frustrado do tio Frank, a dependência de drogas do avô Edwin, o fracasso do pai Richard como palestrante motivacional, o silêncio do filho adolescente Dwayne e a falência da empresa do cunhado Larry. O filme é uma crítica à cultura americana na valorização exagerada de sucesso, a aparência e competição. O filme aborda temas como a morte, a homossexualidade, a depressão e o sonho americano. O filme foi aclamado pela crítica e pelo público, recebendo quatro indicações ao Oscar, incluindo melhor filme, e vencendo duas: melhor roteiro original e melhor ator coadjuvante para Alan Arkin, que interpreta o avô Edwin.


Documentário – Stand up

Nanette – Hannah Gadsby – 2017. Indico porque é ver na TV, narrada pela própria protagonista, em tempo real, uma história do caminho da Estrela. Além de ser uma história ótima, comovente, cheia de ótimas reflexões, muito bem escrita, muito bem falada pela Hannah. Eu adorei esse documentário, saí indicando pra todo mundo, agora indico pra que a gente pense no Caminho da Estrela.


O documentário Nanette, criado pela comediante australiana Hannah Gadsby, tem uma abordagem diferenciada e muito pessoal, e trata de diversos temas relevantes, como a homofobia, o machismo e a violência contra a mulher, mas não só. É a história da vida da Hannah.

Hannah Gadsby é uma comediante que já passou por muitas dificuldades em sua vida, principalmente por ser homossexual e viver em um ambiente hostil e preconceituoso. Em Nanette, ela conta sua história de vida de maneira franca e emocionante, abordando temas delicados com muita sensibilidade e coragem. O documentário é uma mistura de stand-up comedy, teatro e palestra, em que a comediante fala sobre sua vida, suas experiências e seus traumas. A obra é uma reflexão profunda sobre a cultura do cancelamento, a importância da representatividade e a necessidade de se repensar a forma como tratamos as minorias. Nanette é uma obra emocionante e muito necessária nos dias de hoje. Através da história de vida de Hannah Gadsby, somos convidados a refletir sobre nossos próprios preconceitos e a nos questionar sobre o papel que desempenhamos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.


Link

Uma Estrela Dançarina de 108 anos 


3 de setembro é o 246.º dia do ano no calendário gregoriano (247.º em anos bissextos). Faltam 119 dias para acabar o ano.

“Em cima como embaixo, embaixo como em cima.”

Hermes Trismegistos

Post com a colaboração de @laismeralda, que é a melhor cartomante do pedaço, marque sua consulta com ela.


Se você leu até aqui, obrigada! Esse é o meu almanaque particular. Um pedaço do meu diário, da minha arca da velha, um registro de pequenas efemérides, de coisas que quero guardar, do tempo, do vento, do céu e do cheiro da chuva. Os Vestígios do Dia, meus dias. Aqui só tem referências, pois é disso que sou feita.

© Nalua – Caderninho pessoal, bauzinho de trapos coloridos, nos morros de Minas Gerais. Inverno, mas um calorão do capeta.