Mês: novembro 2023

e junto a mim me sinto outra


Belo Horizonte, 26 de novembro de 2023

Menos de um mês para o natal 😱

☼ 20° – 28°


Em 26 de novembro de  1764, certamente tarde demais, a Companhia de Jesus foi proibida na França. O livro Alice no País das Maravilhas foi publicado pela primeira vez em 1865. Num dia como este, no ano de 1922 a tumba de Tutancamon foi aberta pela primeira vez a arqueologia nunca mais foi a mesma. Em 1940 a Alemanha nazista começou a isolar o Gueto de Varsóvia. Em 1930  o Ministério do Trabalho foi criado no Brasil. Em 1909 nasceu Eugene Ionesco, em 1951 Cicciolina. Em 1993 nos deixou Grande Otelo e em 2018 se foi Bernardo Bertolucci.


❤️ Galvão Bertazzi


Os Loucos

Há vários tipos de louco.

O hitleriano, que barafusta.
O solícito, que dirige o trânsito.
O maníaco fala-só.

O idiota que se baba,
explicado pelo psiquiatra gago.
O legatário de outros,
o que nos governa.

O depressivo que salva
o mundo. Aqueles que o destroem.

E há sempre um
(o mais intratável) que não desiste
e escreve versos.

Não gosto destes loucos.
(Torturados pela escuridão, pela morte?)
Gosto desta velha senhora
que ri, manso, pela rua, de felicidade.

♣️

António Osório

 Porque a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem.

1Coríntios 1:22-25

Em 26 de novembro de 1959 escreveu Maura Lopes Cançado em seu diário:

Se alguém perguntar por mim
não pertenço a ninguém

Devo escrever sempre no princípio de cada página do meu diário que sou uma psicopata. Talvez essa afirmação venha despertar-me, mostrando a dura realidade que parece tremular entre esta névoa longa e difícil que envolve meus dias, me obrigando a marchar, dura e sacudida – e sem recuos.
O hospício é árido e atentamente acordado. Em cada canto, olhos cor-de-rosa e frios espiam sem piscar. Os dias neutros. As tardes opacas, vazias, quando um ruído assusta, como vida, surgida rápida, logo apagada – extinta. As mulheres presas no pátio deixam as seções quase vazias; poucas permanecem, como eu, aqui dentro o dia todo. Não frequento o pátio e isto me dá, ainda aqui, e usando o uniforme do hospital, a sensação de estar à margem. Algumas mulheres sonâmbulas andam vagas pelos corredores cinzentos. Outras, sentadas no cimento fresco, olham nada, perdendo-se em distâncias incomensuráveis – brancas. Às vezes uma guarda sobe a escada, entra na seção conduzindo uma mulher rasgada e sangrando: “Brigou no pátio”. Diz com indiferença. Ando pelo corredor. Meu rosto busca quieto. Desço as escadas. Embaixo algumas mulheres falam alto, discutem ou cantam. Nada encontro e volto. Um rosto pálido me olha, longo, sem falar. De cócoras, no corredor, ela tem o infinito nos olhos. Por um momento quase indago, mas me limito a sorrir-lhe. Continua longe, sem se mover. Meus pés descalços pisam o cimento dos corredores – em busca. Que posso encontrar aqui? Me pergunto, branca e limpa de fazer dó. Os dormitórios vazios e impessoais são cemitérios, onde se guardam passado e futuro de tantas vidas. Cemitérios sem flor e sem piedade: cada leito mudo é um túmulo, e eu existo entre o céu e esta dormência calada.

Maura Lopes Cançado – Hospício é Deus – Editora Autêntica


[…] para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante — pop — pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos “aaaaaaah!”

Jack Kerouac

O Louco. É a carta da semana. Quem, a esta altura do campeonato, não ficou meio louco está de parabéns! Quem passou e saiu vivo dos últimos anos sem enlouquecer um pouco merece todo respeito. Eu não conheci ainda tal pessoa, mas vai queGolpe, governos das trevas, pandemia, catástrofe climática, só para falar das loucuras coletivas. O mundo está de cabeça para baixo e nós tentamos nos equilibrar à beira do abismo. Não é possível e nem é saudável se manter ileso num cenário destes.

A carta do louco tem muitos significados. Ela é uma carta complexa e cheia de nuances. Significa muitas coisas e não significa várias outras, vamos lembrar. A interpretação das cartas do tarô tem limites, não é possível, por preguiça de estudar, sair atribuindo significados tirados sabe-se de onde, às cartas. Esse arcano, que ora é o primeiro, ora o 22°, ora o 21°, significa, dependendo do contexto, liberdade, inícios, ingenuidade, infantilidade, pureza, novos começos etc., etc.

Mas hoje, em vista da insanidade que temos presenciado dia após dia, vamos falar de seu significado primordial, do significado mais antigo, aquele que vinha antes da Ordem Golden Dawn entrar na brincadeira. Vamos falar sobre a loucura mesmo, a loucura em si, (que nem existe, mas me dêem uma licença poética) aquela que nos fizeram temer e rechaçar, aquela que é razão de exclusão, de internação e de pavor.  A nossa cultura configurou um padrão muito estreito de normalidade. Nossa norma social é pequena e dela foram excluídos inúmeros corpos, inúmeros modos de estar no mundo. Em nossa conformação social ninguém enlouquece pelos seus próprios desígnios, mas o faz segundo a norma social. A loucura é o que foge do quadro cultural, cada sociedade cria seu modelo de loucura. E azar daquela subjetividade que atravessa esse modelo. Azar porque não somos gentis com os dissonantes, e os loucos são os grandes discordantes. E são loucos porque dissonantes. E vice-versa.

Nossas sociedades criam um grande problema para a experiência humana, que é a falta da integração de vários outros modos de existir, sendo a loucura um deles. Não bastasse todo o restante tratamento que damos à loucura, exclui-la da convivência empobrece demais a vida. E é também um problema de comunicação, no mundo moderno não há mais uma comunicação plena com os chamados loucos, como observou um autor chamado Frayze Pereira. Mas os modos dissonantes de existir, de expressar a subjetividade continuam aí, sempre estarão.

Com isso em mente, essa semana o tarô nos convida a refletir sobre a loucura, no seu sentido comum. Tanto a loucura dos loucos, dos enclausurados, banidos, dos que fogem à norma social, quanto a nossa própria loucura, nossos pontos malucos, sem lógica, nosso temor da loucura, a piração que aparece antes de dormir e nos assusta.

A loucura é imensamente criativa, como mostram as inúmeras obras de artes dos chamados loucos. Às vezes a loucura pode ser excesso de criatividade, criatividade não liberada e por aí vai. Às vezes é excesso de imaginação também. Eu lembro a mim mesma que toda cartomante é meio doida, tem que ser, para exercer um ofício com tal lógica desafinada, ou falta de lógica. Tem loucura em toda atividade, em toda parte, de perto ninguém é normal.

Nesta semana podemos enlouquecer um pouco. Mas antes disso é permitido sermos criativos também. Exercer a criatividade é sempre um chamado do tarô. Podemos escrever poemas, dançar, pintar e bordar. Construir coisas bonitas ou feias, pensar em soluções ilógicas para nossos problemas. É simples, como toda instrução dos arcanos: para a semana vamos refletir sobre a loucura, vamos lembrar que nosso irmão “louco” pode ter somente um modo diferente de existir, vamos apoiar a luta antimanicomial, vamos ser loucamente criativos, vamos recordar que o nosso louco de agora e daqui é o xamã, o iluminado, o profeta de outro tempo e lugar.  Celebremos os loucos que ainda moram em nós, talvez eles nos ajudem a manter a sanidade. Lembrem-se: sua casa não te define, sua carne não te define, você é seu próprio lar, mesmo que o lar seja a loucura.

Boa semana doidinhos, enloqueçam depressa e voltem devagar.

A carta de tarô “O Louco” é uma das cartas mais complexas e enigmáticas do baralho de tarô. Ela representa a energia da liberdade, da espontaneidade e da aventura. O Louco na representação clássica, é simbolizado por um jovem alegre e despreocupado, carregando uma pequena bolsa nas costas e um cachorro ao seu lado. Esta carta está associada ao início de uma jornada, um novo começo ou uma mudança significativa na vida de alguém. Ela nos lembra que às vezes é necessário arriscar para alcançar o crescimento pessoal e a realização de nossos objetivos. O Louco também fala sobre confiar em nossa intuição e seguir nosso coração, mesmo que isso signifique enfrentar o desconhecido. Ele nos lembra que a vida é cheia de surpresas e que devemos estar abertos para aproveitar as oportunidades que surgem em nosso caminho. No entanto, é importante saber que a energia do Louco também pode ser um aviso para evitar comportamentos impulsivos ou irresponsáveis. Embora seja encorajado buscar novas experiências, é essencial agir com cautela, tomar as providências necessárias para sair em viagem com toda segurança. A presença da carta do Louco pode indicar que é hora de tomar um risco calculado ou explorar novas possibilidades em nossa vida. O Louco representa a energia da liberdade, da aventura e do novo começo. Ela nos diz que devemos abraçar as oportunidades que a vida nos oferece e confiar em nossa intuição ao tomar decisões. Prepare-se para uma jornada que pode começar nesta semana.

Um texto para nós, que somos sãos

CARTA AOS MÉDICOS-CHEFES DOS MANICÔMIOS

Senhores,

As leis e os costumes vos concedem o direito de medir o espírito. Essa jurisdição soberana e temível é exercida com vossa razão. Deixai-nos rir. A credulidade dos povos civilizados, dos sábios, dos governos, adorna a psiquiatria de não sei que luzes sobrenaturais. O processo da vossa profissão já recebeu seu veredito. Não pretendemos discutir aqui o valor da vossa ciência nem a duvidosa existência das doenças mentais. Mas para cada cem supostas patogenias nas quais se desencadeia a confusão da matéria e do espírito, para cada cem classificações das quais as mais vagas ainda são as mais aproveitáveis, quantas são as tentativas nobres de chegar ao mundo cerebral onde vivem tantos dos vossos prisioneiros? Quantos, por exemplo, acham que o sonho do demente precoce, as imagens pelas quais ele é possuído, são algo mais que uma salada de palavras?

Não nos surpreendemos com vosso despreparo diante de uma tarefa para a qual só existem uns poucos predestinados. No entanto nos rebelamos contra o direito concedido a homens – limitados ou não – de sacramentar com o encarceramento perpétuo suas investigações no domínio do espírito.

E que encarceramento! Sabe-se – não se sabe o suficiente – que os hospícios, longe de serem asilos, são pavorosos cárceres onde os detentos fornecem uma mão de obra gratuita e cômoda, onde os suplícios são a regra, e isso é tolerado pelos senhores. O hospício de alienados, sob o manto da ciência e da justiça, é comparável à caserna, à prisão, à masmorra.

Não levantaremos aqui a questão das internações arbitrárias, para vos poupar o trabalho dos desmentidos fáceis. Afirmamos que uma grande parte dos vossos pensionistas, perfeitamente loucos segundo a definição oficial, estão, eles também, arbitrariamente internados. Não admitimos que se freie o livre desenvolvimento de um delírio, tão legítimo e lógico quanto qualquer outra sequência de ideias e atos humanos. A repressão dos atos antissociais é tão ilusória quanto inaceitável no seu fundamento. Todos os atos individuais são antissociais. Os loucos são as vítimas individuais por excelência da ditadura social; em nome dessa individualidade intrínseca ao homem, exigimos que sejam soltos esses encarcerados da sensibilidade, pois não está ao alcance das leis prender todos os homens que pensam e agem.

Sem insistir no caráter perfeitamente genial das manifestações de certos loucos, na medida da nossa capacidade de avaliá-las, afirmamos a legitimidade absoluta da sua concepção de realidade e de todos os atos que dela decorrem.

Que tudo isso seja lembrado amanhã pela manhã, na hora da visita, quando tentarem conversar sem dicionário com esses homens sobre os quais, reconheçam, os senhores só têm a superioridade da força.

Antonin Artaud – Escritos de Antonin Artaud – Ed. L&PM

Ars longa & sana

A loucura também é responsável por um número imenso de arte, de filosofia. É um tema que compreensivelmente ocupa o pensamento humano desde onde nem se pode medir. Os loucos, a loucura, a sanidade, o enlouquecer. A dissonância, essa palavra que está tão nã moda. Por isso também existe um infinito de arte sobre o tema. Tem material para um sem número de posts, de analogias, de estudo. Como sempre, e inevitavelmente, separei o que primeiro veio à minha mente sobre a loucura.

Livro

Hospício é Deus – Maura Lopes Cançado. Esse livro é muito bom. Maura tem uma relação bastante peculiar com o que é dito sua própria loucura. Moça de família rica, parte da alta sociedade de Belo Horizonte, jornalista, bonita, inteligente, jovem, ela se intena por conta própria e conta o que passou nos dias de loucura e internação. Nas páginas desse diário lemos uma prosa belíssima, muito sensível e com uma percepção muito aguçada de si mesmo, do mundo, da vida. É um livro muito bom, que merecia ser muito mais conhecido e lido. Eu fiquei apaixonada pela moça mineira dos anos 50 que tanta lucidez tinha, apesar de taxada de louca. A história pessoal de Maura também é trágica e triste, comove como o diabo.


Hospício e Deus é um livro de Maura Lopes Cançado, uma escritora brasileira que viveu parte de sua vida em instituições psiquiátricas. O livro é um diário que narra suas experiências no hospício, sua relação com a loucura, a literatura e a fé. Maura escreve com uma linguagem poética, sensível e crítica, revelando as contradições e os desafios de conviver com a doença mental em uma sociedade que a marginaliza e a oprime. Ela também reflete sobre o sentido da existência, a busca por Deus e a esperança de cura. O livro é um testemunho impressionante e emocionante de uma mulher que lutou contra o estigma, a violência e a solidão, mas que nunca deixou de se expressar através da arte. Maura Lopes Cançado é uma das vozes mais originais e importantes da literatura brasileira, que merece ser lida e reconhecida por sua coragem e talento.


Falatórios

Stella do Patrocínio era uma empregada doméstica, carioca, negra, de 21 anos quando foi parada pela polícia nas ruas do Rio e presa por vadiagem. Foi jogada na Colônia Juliano Moreira onde permaneceu até a morte. No final dos anos 80 a professora Carla Guagliardi promoveu oficinas de arte na Colônia e ali entrou em contato com a poesia de Stella. A produção de Stella não era escrita, ela falava, falava e falava, e essas falas, que foram gravadas e são cheias de poesia, de prosa literária, de filosofia e sabedoria foram chamadas de Falatórios. Elas foram recuperadas e agora estão disponíveis para serem baixadas no site da UNILA.  Stella, descobriu-se, era uma pessoa de conhecimento profundo, de letramento, de grande poesia e de uma singularidade extremamente rica. Mas infelizmente permaneceu encarcerada a vida toda, pelo simples fato de ser um corpo negro e feminino em circulação no Rio dos anos 60.

Eu ouvi alguns áudios e são maravilhosos, emocionam, encantem e assombram pela força e pela história de Stela. Como é que algo assim não está no panteão da arte nacional? Enfim, uma pergunta que fazemos demais neste país, especialmente quando o artista é negro, é mulher. E se for considerado louco ainda… Os áudios estão disponíveis aqui. Existem livros e teses sobre Stella, é só procurar, a história dela é fascinante demais, conheçam. Tem um episódio sobre ela no podcast Resíduos, do Canal Brasil, na Globoplay. E tem esse episódio de podcast, excelente, da 451.


Documentário

Estamira – Marcos Prado – 2005. Estamira é assombroso. Estamira é assombrosa. Que documentário excelente. Eu também fiquei muito tocada com o documentário e com sua personagem. Com a lógica irretocável dentro da matriz louca, Estamira, uma catadora de papel que em qualquer outro lugar e tempo seria uma gande xamã, uma grande profeta, uma pajé, uma sacerdotisa iluminada. Uma mulher que foi contornando a vida, contornando a loucura e seguiu sua vida de uma maneira incrível. Vale demais cada minuto. Pode ser visto, numa cópia não tão boa, aqui.


O documentário Estamira, dirigido por Marcos Prado, retrata a vida de uma mulher que trabalhou por mais de 20 anos no aterro sanitário de Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro. Estamira é uma personagem complexa e intrigante, que possui uma visão de mundo muito peculiar e controversa. O documentário apresenta a história de Estamira de forma não linear, mesclando trechos de entrevistas com ela e com outras pessoas que a conheceram, imagens do aterro sanitário e cenas do cotidiano da personagem. Além disso, o filme também aborda temas como saúde mental, pobreza e exclusão social. Estamira é uma figura emblemática da sociedade brasileira, que muitas vezes ignora a existência de pessoas como ela. O documentário nos faz refletir sobre a importância de dar voz às pessoas marginalizadas e sobre a necessidade de uma política pública mais efetiva para lidar com questões sociais tão complexas.


Holocausto Brasileiro – Livro e/ou documentário

Holocausto Brasileiro – Daniela Arbex –  livro. Holocausto Brasileiro – Armando Mendz, Daniela Arbex, 2016 – documentário. Eu estive em Barbacena no final dos anos 80. Ainda funcionava normalmente. Por que eu estive em tal lugar? respondo a quem um dia me perguntou estranhando. Porque eu fazia faculdade de Direito na época e era parte da matéria Direito Penal I ou II, não me lembro mais. Fomos a sala toda, para Barbacena e depois seguimos para Bangu, no RJ. Foi o pior lugar onde estive em toda minha vida e me lembro que não conseguir ficar o tempo todo dentro do lugar, de achar irrespirável. Lembro de relatos de adminstradoras da época, sobre uma mulher que chegou sã e foi enlouquecida lá dentro, sendo, naquele momento da nossa visita, tida como “irrecuperável”. Era um lugar tenebroso, apavorante, com um mau cheiro que nunca tinha sentido antes nem senti depois. Por isso quando saiu este livro eu quis ler imediatamente. E é um ótimo livro, a reportagem de Daniela Arbex é muito bem feita, o livro é muito bem escrito e evoca todo pavor que senti lá dentro e ainda mais, claro, o relato é todo horroroso, pois os fatos eram terríveis. Esse lugar é uma aberração que nunca devia ter existido, mas infelizmente não é, nem foi, nenhuma exceção. O Documentário pode ser visto em ótima resolução, no YouTube, neste link


Em reportagem consagrada, Daniela Arbex denuncia um dos maiores genocídios do Brasil, no hospital Colônia, em Minas Gerais. No Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, conhecido apenas por Colônia, ocorreu uma das maiores barbáries da história do Brasil. O centro recebia diariamente, além de pacientes com diagnóstico de doença mental, homossexuais, prostitutas, epiléticos, mães solteiras, meninas problemáticas, mulheres engravidadas pelos patrões, moças que haviam perdido a virgindade antes do casamento, mendigos, alcoólatras, melancólicos, tímidos e todo tipo de gente considerada fora dos padrões sociais. Essas pessoas foram maltratadas e mortas com o consentimento do Estado, médicos, funcionários e sociedade. Apesar das denúncias feitas a partir da década de 1960, mais de 60 mil internos morreram e um número incontável de vidas foi marcado de maneira irreversível.  Daniela Arbex entrevistou ex-funcionários e sobreviventes para resgatar de maneira detalhada e emocionante as histórias de quem viveu de perto o horror perpetrado por uma instituição com um propósito de limpeza social comparável aos regimes mais abomináveis do século XX. Um relato essencial e um marco do jornalismo investigativo no país, relançado pela Intrínseca com novo projeto gráfico e posfácio inédito da autora.


Filme

A História de Adèle H – François Truffaut – 1975. Eu gostei tanto, tanto deste filme, quando vi que meu nick (ainda se usa esse termo?) na internet há muitos anos era Adele H. E foi com esse apelido que conheci o Akio, há mais de 23 anos. É um filme muito bom para ilustrar a loucura de que falamos. Uma loucura comum ainda hoje, a loucura de uma mulher talentosa e apaixonada, e que vai sendo enlouquecida e adoecida aos poucos, mas não devagar, pela sociedade que a cerca. Além disso tem a mais bela de todas, Isabelle Adjani e é um Truffaut, só isso já bastaria. E eu assisiti quando minha alma ainda era nova, ingênua e boba. Não tinha como não ter sido marcada por ele.


O filme A História de Adèle H, de François Truffaut, é um drama biográfico baseado no diário de Adèle Hugo, filha do famoso escritor francês Victor Hugo. O filme conta a história do amor obsessivo e não correspondido que Adèle sente pelo tenente Albert Pinson, um oficial inglês que a seduziu e depois a abandonou. Adèle vive em busca de Pinson, usando nomes falsos e se envolvendo em situações perigosas. Ela perde a razão e a vontade de viver, sofrendo de alucinações e delírios. O filme é uma obra-prima de Truffaut, que retrata com sensibilidade e profundidade a angústia e a loucura de Adèle. A atriz Isabelle Adjani tem uma atuação impressionante, que lhe rendeu indicações ao Oscar e ao César de melhor atriz. Ela transmite com expressividade e emoção a paixão desesperada e a dor de Adèle. O filme também tem uma bela fotografia e uma trilha sonora envolvente. A História de Adèle H é um filme que mostra o poder e o perigo do amor, que pode levar à felicidade ou à destruição. É um filme que fala sobre a liberdade e a prisão, sobre a vida e a morte, sobre a arte e a loucura.


Série

American Horror Story – Segunda Temporada – Ryan Murphy e Brad Falchuk – 2013. Terminei essa temporada não faz nem um mês. É muito divertida. Não é engraçada, nem nada, é sombria esquisita e bizarra, mas é muito ilustrativa do que eram e ainda são os manicômios, de como as coisas funcionam num lugar assim, mesmo com toda caricatura. E mostra bem como é o enlouquecer, como é ser enlouquecido, socialmente enlouquecido. Além do elenco sensacional, Jessica Lange e sua majestade. Adorei e acho que mostra bem essa faceta da carta do louco em ação. 


A história segue os pacientes, médicos e freiras que ocupam a Instituição Mental de Briarcliff, em Massachusetts, Estados Unidos, no ano de 1964. A instituição é comandada pela Irmã Jude Martin, com sua capacho fiel, Irmã Mary Eunice McKee. Briarcliff foi fundada pelo monsenhor Timothy Howard para tratar de criminosos insanos. O psiquiatra Dr. Oliver Thredson e o cientista Dr. Arthur Arden tratam os pacientes dentro das instalações. Os pacientes, muitos dos quais afirmam ser internados injustamente, incluem a jornalista lésbica Lana Winters, o acusado de ser um serial killer, Kit Walker, e uma suposta assassina, Grace Bertrand.


Vale também conhecer

Carta do baralho Tarô dos Filósofos

♠️

  • Camille Claudel, conhecer a vida e a obra de outra gênia que foi enlouquecida e confinada, teve créditos roubados, e viveu uma história de loucura tristíssima. O filme Camille Claudel também é maravilhoso, novamente, tem Adjani. Se puderem ver as esculturas dela, que são a coisa mais linda que já vi na vida, eu sonho com elas até hoje, mais de 25 anos depois, nunca olhei nada tão lindo de perto. Elas já estiveram no Brasil algumas vezes.
  • Arthur Bispo do Rosário – Esse é um artista que todo brasileiro devia conhecer, assim como conhecemos Portinari, Aleijadinho, Di Cavalcanti, etc. No museu virtual tem o panorama da vida e obra dele. Aqui.
  • Ler o Diário do Hospício, do Lima Barreto. Lima nunca foi taxado de louco, mas era um discordante, pois alcoólatra e escreveu esse diário maravilhoso. A lucidez de Lima Barreto é tocante demais.
  • Os escritos de Antonin Artaud, e de outras pessoas forçadas a se internarem,  confinadas, e adoecidas. A loucura produz muita beleza também. 

Post com a colaboração de @laismeralda, que é a melhor cartomante do pedaço, marque sua consulta com ela.


26 de novembro é o 330.º dia do ano no calendário gregoriano (331.º em anos bissextos). Faltam 35 dias para acabar o ano.

A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente.

Clarice Lispector 


Se você leu até aqui, obrigada! Esse é o meu almanaque particular. Um pedaço do meu diário, da minha arca da velha, um registro de pequenas efemérides, de coisas que quero guardar, do tempo, do vento, do céu e do cheiro da chuva. Os Vestígios do Dia, meus dias. Aqui só tem referências, pois é disso que sou feita.

© Nalua – Caderninho pessoal, bauzinho de trapos coloridos, nos morros de Minas Gerais. Primavera infernal.

Esta é a 35ª de 78 páginas que terá este almanaque.