parece bolero

Belo Horizonte, 15 de Setembro de 2024
Previsão do tempo: estão nos matando

🥵


Em 15 de setembro de 1928 Alexander Fleming descobre a penicilina enquanto estudava a bactéria staphylococcus, e graças a ele ainda estamos aqui. Em 1935 as Leis de Nuremberg privam os judeus alemães da cidadania. A Alemanha nazista adota uma nova bandeira nacional com a suástica. Em 1995 estreou o Filme Seven – Os Sete Crimes Capitais. Em 15 de setembro nasceram: em 1254 Marco Polo, em 1613 François de La Rochefoucauld, em 1765 Bocage, em 1890 Agatha Christie, em 1894 Jean Renoir, em 1932 Antônio Abujamra, em 1933 Rubem Alves, em 1938 Lya Luft, em  1945 Carmen Maura, em 1946 Oliver Stone. Que dia que nos proporcionou artistas heim? Em 15 de setembro deixaram esse mundo, em 2016 Domingos Montagner, em 2017 Harry Dean Stanton. Em 15 de setembro de 2016 minha mãe ainda vivia. Não existiu penincilina que pudesse salvá-la.


Nostalgia do Presente

Naquele preciso momento o homem disse:
«O que eu daria pela felicidade
de estar ao teu lado na Islândia
sob o grande dia imóvel
e de repartir o agora
como se reparte a música
ou o sabor de um fruto.»
Naquele preciso momento
o homem estava junto dela na Islândia.

❤️

Jorge Luis Borges


 


Em 15 de setembro de 1969 Ana Cristina César escreveu essa carta para seu amado Luiz Augusto:

Ah a tristeza desse céu ah, Deus, por que você botou essa tristeza tão acinzentada e calma nesse céu, você não precisava encher o espaço entre esse céu e essa terra com essa névoa entristecida. Ah Deus nem pôr entre o Luiz e eu essa lonjura que não dá nem para a gente entender as coisas direito Ah vê se você ajeita esse céu essa terra essa tristeza essa lonjura ah mém

[…]É à noite que acontecem (entre uma cuurva do 2° andar do ônibus vermelho e outra, e pulos) minhas maiores saudades. Ontem era domingo e eu no meu quarto te amando te lembrando (Luiz!) Eu talvez te achasse no meu sono. Deitei com a preguiça de sempre, havia um inadvertido frio debaixo dos cobertores; te achei em sonhos precipitados precipícios sonhados (te vi) (antes mesmo de cair)

[…] e no Inadvertido frio (eu atrás do teu calor) não sou mais que um suspiro perdido numa noite de setembro; e nenhuma noite de setembro me engole melhor do que esta que tem sotaque de antes do Inverno; e essas paredes não têm gosto; e se junta à falta tua a falta de um sinal mais vivo que me antecipe visões voos teus e me traga uma mínima verdade de você, que eu amo; e vou me despersonalizando (sem ti aos poucos)
“à procura da exata palavra que traga a Impressão exata dos momentos mais convulsos, no espelho em busca do rosto depurado em verdade. Na boca um hálito oco, no olho uma secura. Não há espaço para se fechar em desespero. Nem se pode chorar os mais ausentes. Na própria linha do quarto uma linguagem de esquecimento. Adormecem as palpitações de amor e a linguagem de amor adormece. De insônia em insônia, a parede fria e os estalidos das coisas não humanas.”

Ana Cristina César – amor mais que maiúsculo – cartas a luiz augusto – Cia das Letras


Todos os nossos ontens

“Porque, eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá mais lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão
Isaías 65:17

 

Eu preciso dizer algo  antes de passar ao arcano dos dias. É muito complicado falar de coisas aparentemente tão triviais como tarô, literatura, cinema, diários, etc., quando o  mundo está desmoronando. Eu me sinto às vezes e quase sempre (rs) ridícula, pequena. Fico pensando que importa isso? Que importa isso para mim? Mas não posso fazer outra coisa, quando a minha conclusão é que, depois de fazermos o possível para que o mundo ainda tenha uma sobrevida, é no pequeno que temos que nos agarrar. É o pequeno mundo dos dias que passam que importa, é dele que é feita a vida. Por isso ainda estou escrevendo, mesmo a muito maior custo do que antes, mas para organizar minha cabeça também. Esse ano o fim do mundo parece muito mais acelerado do que em qualquer ano para trás. Mas enquanto isso, podemos cuidar de nós, podemos olhar para a beleza, é isso que ainda tento aqui. Então aí vai, e prossigam na cultura dos seus dias (frase de Juliana Gervason).

O arcano destes dias é o Seis de Copas. Eu amo essa carta, só de olhar para ela eu sinto nostalgia. E ela é nostalgia pura. Não é exatamente saudade, nem melancolia. Saudade é vontade daquilo que já se sabe que gosta. É nostalgia, principalmente da infância, pois em geral o estado idílico que fantasiamos é o da infância. E dos lugares onde éramos felizes, ainda que só na imaginação, na idealização. Mas não só a infância é um lugar nostálgico. A nostalgia é a daquele lugar onde havia muita potência, e em geral é na juventude que está todo potencial. Se apegar a esse lugar de potência é como o conto em que o rei quer comer uma sopa saboreada quando era criança e passa a vida procurando quem consiga preparar aquela sopa com gosto de infância e não consegue. Porque a infância não está lá, a potência da vida quase só pode ser vista em retrocesso, jamais comeremos novamente a sopa da infância e da juventude. E lá, quando comemos, não sabemos. O apogeu da vida quase nunca é percebido na hora. Na minha idade é muito comum ter nostalgia. Do que se viveu e do que se poderia ter vivido, e em geral quem está atravessando ou já atravessou a meia idade tem sua dose de nostalgia. Drummond diz: Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante. Isso não quer dizer que pessoas jovens, ou até mesmo crianças não sintam nostalgia. Vontade de voltar ao Éden todos temos. E o Seis de Copas é o retrato desse tempo intocado pela vida, desse tempo onde tudo era perfeito e as águas abundantes.

A ensaísta Meghan Daum tem uma bonita passagem sobre isso, que diz o seguinte:

Agora que quase nunca sou a pessoa mais jovem em qualquer sala, percebo que o que mais sinto falta daquela época é a mesma coisa que me deixava tão louca quando eu vivia nela. O que sinto falta é da sensação de que nada começou ainda, que o futuro se eleva sobre o passado, que o presente é apenas uma fase de planejamento para a arquitetura brilhante que comporá o horizonte do resto da minha vida. Mas o que esqueço é a solidão de tudo isso. Se tudo está à frente, nada está atrás. Você não tem lastro. Você também não tem ventos favoráveis. Você quase nunca sabe o que fazer, porque você quase não fez nada.

E é essa a paisagem desse arcano. A tomada de consciência que existe esse lugar idílico atrás de nós, e a depender da idade que se tem, esse lugar pode estar à frente. Mas este lá existiu e existe, e de alguma maneira nos nutre, nos dá forças para continuar inteiros. Todos nós vivemos coisas muito bonitas na vida e todos ocasionalmente sentimos falta de voltar a esse momento. O seis de copas é a carta que nos mostra que podemos olhar com carinho para o nosso passado e fazer dele uma fonte de alegria e significado. A mesma Meghan continua:

Qualquer vestígio de precocidade que eu já tive está há muito esquecido. Não sou e nunca mais serei uma jovem escritora, uma jovem dona de casa, uma jovem professora. Nunca fui uma jovem esposa. A única coisa que eu poderia fazer agora pela qual minha juventude seria uma característica verdadeiramente notável seria morrer. Se eu morresse agora, morreria jovem. Todo o resto, estou fazendo na meia-idade.

E sim, é verdade, mas ninguém tem o passado que tivemos. Nosso passado é um bloco e dele podemos extrair muita força. É claro que para alguns de nós o passado tem dor, mas tem beleza também e é dela que podemos, se quisermos e precisarmos, extrair potência e vontade de continuar. Porque nunca existiu outra idade, só existe a idade que a gente tem neste momento. Nesta semana, voltemos à aurora da nossa vida, à nossa infância querida e vamos encher nossa jarra da água da vida. Pois estamos precisamos desesperadamente de água, de verde, de chuva, de rios, (e de governantes muito melhores),tudo isso que compõe o paraíso, nossos infinitos particulares.

Boa semana, e que saudades da professorinha.

Seis de Copas

Esta carta está associada à nostalgia, memórias do passado e conexões emocionais. O seis de copas é representado por duas crianças que estão brincando juntas. Elas estão cercadas por flores e copas, símbolos de amor, emoções e conexões emocionais. A carta evoca uma sensação de inocência e nostalgia. Ela nos lembra das memórias felizes da infância, dos tempos mais simples e das relações que idealizamos. Quando o seis de copas aparece em uma leitura de Tarô, ele pode estar indicando que é hora de olhar para trás e se reconectar com o passado.  A carta também pode sugerir que estamos presos no passado, lutando para seguir em frente ou presos em padrões emocionais antigos. Nostalgia é a emoção associada ao seis de copas. É natural sentir saudade do passado, mas também é importante viver no momento presente. O seis de copas também pode nos lembrar da importância de manter conexões emocionais profundas. Ele nos faz refletir sobre as relações significativas em nossas vidas.

Dois textos para a nossa Velha Infância

Não sei onde se romperam os fios que me ligam a minha infância. Como todo mundo, ou quase, tive um pai e uma mãe, um penico, uma cama de grades, um chocalho, e mais tarde uma bicicleta que, parece, eu jamais montava sem lançar gritos de terror à simples ideia de que fossem querer levantar ou mesmo retirar as duas rodinhas adjacentes que asseguravam minha estabilidade. Como todo mundo, esqueci tudo de meus primeiros anos de existência.

Minha infância faz parte daquelas coisas das quais sei que não sei grande coisa. Ela está atrás de mim, no entanto, é o solo sobre o qual cresci, ela me pertenceu, seja qual for minha tenacidade em afirmar que não me pertence mais. Por muito tempo procurei afastar ou mascarar essas evidências, encerrando-me na condição inofensiva do órfão, do não gerado, do filho de ninguém. Mas a infância não é nostalgia, nem terror, nem paraíso perdido, nem Tosão de Ouro, mas talvez horizonte, ponto de partida, coordenadas a partir das quais os eixos de minha vida poderão encontrar seu sentido. Mesmo contando apenas, para escorar minhas lembranças improváveis, com o apoio de fotos amarelecidas, de testemunhos raros e documentas insignificantes, não tenho outra escolha senão evocar o que por muito tempo insisti em chamar o irrevogável; o que foi, o que se deteve, o que ficou enclausurado: o que foi, sem dúvida, para hoje não ser mais, mas o que foi, também, para que eu seja ainda.

Georges Perec – W ou A Memória da Infância – Cia das Letras


Em grego, retorno se diz nóstos. Álgos significa sofrimento. A nostalgia é, portanto, o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de retornar. Para essa noção fundamental, a maioria dos europeus pode utilizar uma palavra de origem grega (nostalgie, nostalgia), e também outras palavras com raízes em sua língua nacional: añoranza, dizem os espanhóis; saudade, dizem os portugueses. Em cada língua, essas palavras possuem uma conotação semântica diferente. Muitas vezes significam apenas a tristeza provocada pela impossibilidade da volta ao país. Nostalgia do país. Nostalgia da terra natal. Aquilo que em inglês se chama homesickness. Ou em alemão: Heimweh. Em holandês: heimwee. Mas essa é uma redução espacial dessa grande noção. Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês, distingue bem dois termos: söknudur: nostalgia no seu sentido geral; e heimfra: nostalgia do país. Os tchecos, além da palavra nostalgia de origem grega, têm para a noção seu próprio substantivo, stesk, e seu próprio verbo; a frase de amor mais comovente em tcheco: styska se mi po tobe: sinto nostalgia de você; não posso suportar a dor da sua ausência. Em espanhol, añoranza vem do verbo añorar (ter nostalgia), que vem do catalão enyorar, derivado, este, da palavra latina ignorare (ignorar). À luz dessa etimologia, a nostalgia surge como o sofrimento da ignorância. Você está longe e não sei o que se passa com você. Meu país está longe, eu não sei o que está acontecendo lá.

Milan Kundera – A Ignorância – Cia das Letras

Iluminar para os tolos o caminho que leva ao pó

A nostalgia é farta demais em arte, fica muito complicado escolher, eu poderia ficar o resto da vida indicando e falando sobre as obras que tem a nostalgia como tema. Mas… Aí vão algumas coisas com a dor melancólica da escolha :o) . Plenamente ciente que ficou um universo inteiro pra trás.

Hoje não vou colocar os resumos que tiro da internet pois o post já está gigantesco.

Livros

A Ignorância – Milan Kundera. O livro da Nostalgia, com um enredo que gira em torno da noção de nostalgia. E é Kundera, que me fez lembrar na leitura deste livro, porque ele ainda é meu autor favorito, aquele que mais conversa comigo. A Ignorância é um livro curtinho, mas que me faz suspirar. É lindo, melancólico e nostálgico, como quase tudo do Kundera. Amo e recomendo demais, Kundera é um autor bom demais para tempos difíceis, euy sempre sinto que é como se ele ensinasse a viver em tempos sombrios. E sendo meu autor favorito da vida, não tenho como recomendar mais.


Um clássico nacional

Memórias de Marta – Julia Lopes de Almeida. Esse livro é uma lembrança da vida de Marta. Tem nostalgia suficiente, é um livro surpreendentemente bom, mas ele está aqui porque todo brasileiro deveria conhecer Julia Lopes de Almeida, da mesma maneira que conhece José de Alencar e outros homens que formam nosso panteão. Júlia está à altura de todos eles e é incrível que ela tenha sido apagada e esquecida da história da nossa literatura. Isso está mudando devagar, e que bom, não chegaria a mim que não sou uma estudiosa formal de literatura, nem ao público em geral. Mas é isso, experimentem ler Júlia Lopes, é surpreendente, mesmo com alguns problemas do seu tempo.


Foi um péssimo dia – Natalia Borges Polesso. Eu realmente poderia continuar até muito tempo, pois o que não falta é uma imensa lista de livros sobre o tema. Mas vou falar só de mais um, um nacional contemporâneo, LGBTQIAP+ de uma escritora conceituada, e que eu li para essa carta. É um livro curtíssimo, quase um conto grande, parece ser autobiográfico e é bem bonito. Escorrega um pouco no didatismo, mas não compromete o livro. 


HQ

A Casa – Paco Roca. Uma das mais bonitas e melancólicas HQs que eu li. Além de linda visualmente, conta uma história muito, muito tocante, e que desperta uma nostalgia funda na gente. Eu fiquei engasgada várias vezes durante a leitura. Recomendo demais, mas demais mesmo.


Filmes

Cinema Paradiso – Giuseppe Tornatore – 1988. Eu imagino que todo mundo que me lê já viu esse filme, pra mim o mais emocionante filme sobre nostalgia que eu já vi. Não é só sobre nostalgia, é sobre o amor ao cinema também. Se você não viu, eu recomendo esse filme mais do que qualquer outra arte indicada aqui hoje. É lindo, lindo, um dos filmes mais emocionantes da história do cinema. Vejam. 


Meia Noite em Paris – Woody Allen 2011. Mais um filme, porque esse é uma joia da nostalgia também, e além disso é bem didático (risos). Ele nos ensina sobre nostalgia, sobre tentar reviver o que nunca existiu. Acredito que todo mundo por aqui já viu esse filme, mas se não viram, é uma oportunidade na semana do seis de copas.

Eu podia indicar muito mais filmes, Conta Comigo, Era Uma Vez em Tóquio, Adeus Lenin! Vidas Passadas – recentíssimo e lindíssimo, Aftersun (maravilhoso!), 45 anos e tantos outros, mas ficaria aqui por muito tempo. Escolhi os que me fizeram doer de verdade o coração de nostalgia. Mas tem muito muito filme, a nostalgia é sempre um tema muito bom pra se fazer cinema.


Série

Anos Incríveis – Carol Black, Neal Marlens. 1988 – 1993. Ah, essa série, ah meus dias de jovem em que eu assistia tendo que esperar sair algum episódio, esperando pra ver o próximo… Eu era tão jovem, tinha tanto pela frente, quase tanto quanto os personagens jovens dessa série, que é linda em TODOS os episódios, que é uma delícia de ver, de rever, de se cansar sem nunca se fartar de ver. Recomendo demais, vejam, está disponível em algum streaming por aí.


Anos Dourados – Wikipédia, a enciclopédia livre

Essa série é linda, nacional e nostálgica pra caramba.


♫ Playlist

Anos dourados – Tom Jobim e Chico Buarque
House of the rising sun – Animals
Retrato em branco e preto – Tom Jobim
Blackbird – Beatles
Sun Bleached Flies – Ethel Cain
Atrás da porta – Chico Buarque
Meus Tempos De Criança – Ataulfo Alves
Onde anda você – Toquinho e Vinícius
Saudade – Christian & Ralf
Saco de Feijão – Beth Carvalho
Faz parte do meu show – Cazuza
Don’t Smoke in Bed – Nina Simone
Journey Through The Past – Neil Young
Como nossos pais – Elis Regina
Velha Infância – Tribalistas
Memórias – Pitty
Epitáfio – Titãs
Wish You Were Here – Pink Floyd
Chandelier – Sia
Budapest – George Ezra
O Divã – Roberto Carlos
Shallow – (feat. Bradley Cooper) Lady Gaga


a minha infância tem o som do sabiá laranjeira

Casa é aquela região juvenil na qual uma criança é o único habitante real. Pais, irmãos e vizinhos são aparições misteriosas que vêm, vão e fazem coisas estranhas e insondáveis em torno da criança e com ela, o único cidadão emancipado da região.

Maya Angelou

Post com a colaboração de @laismeralda, que é a melhor cartomante do pedaço, marque sua consulta com ela.


Se você leu até aqui, obrigada! Esse é o meu almanaque particular. Um pedaço do meu diário, da minha arca da velha, um registro de pequenas efemérides, de coisas que quero guardar, do tempo, do vento, do céu e do cheiro da chuva. Os Vestígios do Dia, meus dias. Aqui só tem referências, pois é disso que sou feita.

© Nalua – Caderninho pessoal, bauzinho de trapos coloridos, nos morros de Minas Gerais. Estamos sendo sufocados em plena luz do dia.

15 de setembro é o 258.º dia do ano no calendário gregoriano (259.º em anos bissextos). Faltam 107 dias para acabar o ano.